* Texto publicado originalmente no jornal Valor Econômico, produzido em conjunto por Pedro Martins e Fabrício Gandini, oceanógrafo e diretor do Instituto Maramar
O incêndio ocorrido no Porto de Santos
em outubro de 2013, considerado o maior acidente do tipo na história do local,
pode ser considerado emblemático do ponto de vista da (não) reparação aos danos
socioambientais causados na região. Trata-se de mais um ótimo exemplo a não ser
seguido. Segundo a
Cetesb, as ações de contenção do fogo no terminal da empresa Copersucar, maior
exportadora de açúcar do País, geraram um resíduo venenoso que poluiu as águas
estuarinas e resultou na morte de diferentes espécies de peixes e crustáceos.
Além da biodiversidade afetada,
pescadores artesanais que dependem dessa atividade para sobrevivência também
foram prejudicados, na ordem de dezenas de milhares de reais (além da perca por
lucro cessante), conforme monitoramento e estimativa da própria comunidade.
Quem vai arcar com esse prejuízo? Qual é a melhor estratégia de ação em casos
de desastres ambientais como esse, que podem afetar direta ou indiretamente
diferentes economias, como pesca, aqüicultura e turismo?
O Instituto Maramar, OSCIP (organização
da sociedade civil de interesse público) que atua em prol do manejo sustentável
dos recursos pesqueiros, acompanhou de perto o processo, abrindo interlocução
com pescadores, empresas e órgãos ambientais. Neste último, fez vistas ao
processo administrativo e conversou com os técnicos que avaliaram o acidente.
Buscou apurar, por exemplo, quantos profissionais do Estado estiveram
envolvidos nesses trabalhos, qual foi o tempo gasto e, principalmente, qual foi
o ganho (ou reparo) para a natureza e o ganho (ou reparo) para os pescadores.
As respostas a essas questões não são tão simples quanto parecem e estão
relacionadas a uma lógica de governança ambiental que tem se mostrado pouco
estratégica.
O que percebemos, de antemão, é que o modelo de
governança adotado ainda é muito burocrático. A máquina estatal, lenta por
natureza, deveria começar a criar espaços para que os envolvidos em
determinados conflitos socioambientais pudessem caminhar com mais dinamismo
rumo a acordos. Ao invés disso, o que vemos são órgãos ambientais limitando-se
a dar canetadas e apurando pifiamente o ocorrido, sem monitorar efetivamente os
danos ambientais, impondo multas que por sua vez são questionada, via de regra,
pelo infrator. Do outro lado do “balcão”, o que esperamos das empresas
envolvidas diretamente em acidentes como o do Porto de Santos é que encarem o
problema com proatividade e espírito de inovação.
No meio dessa tensão está o setor
ligado ao que chamamos Economia da Conservação, que tem na base dos seus
negócios a manutenção e a conservação da natureza. Apesar de serem afetados
diretamente por acidentes ou desastres que podem acontecer em toda a costa
brasileira, não recebem suporte algum por parte do Estado. Resta a esse setor
buscar fundamentar prejuízos e agir judicialmente na busca de reparar parte dos
seus lucros perdidos.
No caso específico dos pescadores, é de
suma importância que passem a ter um controle mais rigoroso da produção de
pescado, um verdadeiro sistema de monitoramento e auto gestão, uma vez que os
dados divulgados por órgãos e agências são baseados em estimativas descoladas
da realidade. Vale observar que essas instituições podem estar em conflito de
interesse, pois são acionadas pelo mesmo Estado que aplica as multas. Por sua
vez, as empresas que atuam no maior porto da América Latina ainda não
demonstraram interesse em gerir programas junto a essa população e com isso
inovar em governança pesqueira. O atual jogo é de perde-perde: os pescadores, que
não têm seu dano econômico reparado; a natureza, que sofre constantes agressões;
e o infrator, que mais cedo ou mais tarde irá pagar multa ou no mínimo ter sua
reputação bastante arranhada.
As grandes corporações vêm adotando nos últimos
anos práticas “sustentáveis”, incorporando conceitos “verdes”, engajando
colaboradores e se comprometendo com a transparência das informações por meio
da publicação de relatórios certificados. Mas no que diz respeito à relação com
as comunidades, falta ainda a criação de canais efetivos de diálogos.
Isso posto, entendemos que seja necessário uma nova
ética para a governança ambiental, um modelo de comportamento que aproxime o
setor afetado com o causador, de modo que essas duas partes cheguem a um acordo
comum. Algo na linha do que vêm sendo proposto com o PL 517/11, que tramita
atualmente na Câmara dos Deputados: processos de mediação que desafoguem o
Estado e que sejam eficientes. Profissionais do Direito, diante de casos
recorrentes, começam a entender que a mediação direta pode ser o instrumento adequado
para a resolução de problemas complexos que poderiam se tornar litígios
ambientais.
De acordo com artigo assinado pelas advogadas
Cristina Ayoub Riche e Gabriela Assmar, publicado neste mesmo espaço,
atualmente o Poder Judiciário tem emperrados em suas mãos mais de 90 milhões de
processos. Segundo essas profissionais, “o contrato ou a lei deveriam tornar
uma primeira reunião com o mediador obrigatória” pois “essa etapa é fundamental
para a formação de uma cultura focada na compreensão e pacificação das partes”.
Nesse caso, o advogado seria o agente pacificador e mediador, mas, em outros, a
sociedade civil organizada pode perfeitamente destacar responsáveis para
desempenhar o papel, conforme tentativa do Maramar no caso do incêndio no Porto
de Santos.
Está mais do que na hora de darmos um salto
qualitativo, no sentido de construir instrumentos de participação direta. O
Brasil, inserido em uma locomotiva desgovernada de desenvolvimentismo, não pode
esperar. Nosso patrimônio natural e os que dependem e usufruem deles – todos
nós – não podem esperar. É preciso uma ação bem articulada por parte da
sociedade civil para mudanças concretas na área ambiental.